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Manifesto contra a censura às biografias é lido por Ruy Castro na Bienal Rio

Um documento redigido por diversas personalidades do meio literário intitulado “Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às biografias” foi lido pelo escritor Ruy Castro, no sábado, dia 7 de setembro, na abertura do debate “A vida proibida do craque”, realizado no Placar Literário, durante a XVI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro.…

Um documento redigido por diversas personalidades do meio literário intitulado “Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às biografias” foi lido pelo escritor Ruy Castro, no sábado, dia 7 de setembro, na abertura do debate “A vida proibida do craque”, realizado no Placar Literário, durante a XVI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro.

Zuenir Ventura, Rosiska Darcy de Oliveira, Cristovão Tezza, Ferreira Gullar e o próprio Ruy Castro foram alguns dos autores responsáveis pelo documento. O texto ressalta a importância do gênero para a imortalização de personagens e a consolidação de um patrimônio de símbolos e tradições nacionais e pede que seja aprovado o projeto de lei que permite a publicação de biografias sem a necessidade de autorização prévia do objeto de estudo dos autores.

O debate teve mediação de Paulo César Araújo e, além de Ruy Castro, também contou com a participação do deputado Alessandro Molon. Para Castro – autor de “Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha”, livro proibido de ser publicado pela família do jogador de futebol – existe certo cinismo por parte dos parentes dos biografados.

“Durante três anos entrevistei pelo menos dez filhos de Garrincha e, cinco dias antes da publicação do livro, após uma entrevista minha para a televisão, a editora foi procurada por advogados dos herdeiros que diziam desconhecer a publicação”, conta o escritor.

Segundo ele, na época, a família pedia um milhão de dólares para liberar a venda da obra.

“Anos depois, uma das filhas foi questionada sobre qual trecho do livro havia desagradado e respondeu que não sabia, pois nunca havia lido.”

A obra sobre o Anjo das Pernas Tortas foi liberada após uma negociação que envolveu o pagamento de 30 mil reais a cada filho vivo do jogador, além de 300 mil para cada advogado envolvido no processo. As obras proibidas poderiam ter outro destino se a Câmara dos Deputados não tivesse entrado com recurso contra o projeto de lei que prevê que a ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.

Segundo Alessando Molon, relator do projeto, proibir a publicação de uma obra é ferir o direito à liberdade de expressão. Para o deputado, os autores têm o direito de escrever e os leitores, de saber o que se passa na vida de pessoas públicas, que são exemplos para a população.

“Perdemos o direto de conhecer o nosso país por meio da história de personagens importantes”, acredita o deputado.

Ruy Castro concorda.

“Como seria possível contar a história do Brasil no século 19 sem citar Dom João VI e Dom Pedro I? Imaginem se a família Bragança resolvesse nos proibir”, conclui o escritor.

Íntegra do Manifesto e seus signatários

Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às biografias

Desde o século XIX, a Biografia teve papel importante na construção da nossa ideia de Nação, imortalizando personagens e ajudando a consolidar um patrimônio de símbolos e tradições nacionais.

Mais recentemente, na segunda metade do século XX, a Biografia ganhou outra dimensão: além de relatar os feitos dos grandes nomes, transformou o personagem em testemunha de sua época. A Biografia moderna não é só a história de uma pessoa, mas também de uma época, vista através da vida daquela pessoa.

No Brasil, tal forma de manifestação encontra-se em risco, em virtude da proliferação da censura privada, que é a proibição das biografias não autorizadas.

A ninguém é dado impedir a livre expressão intelectual ou artística de outro, garantia consagrada na Constituição democrática de 1988, que baniu definitivamente a censura entre nós. Por isso, não faz sentido exigir-se o consentimento prévio da personalidade pública cuja trajetória um autor ou historiador pretende relatar (e, menos ainda, exigir-se a autorização de seus familiares, quando já falecido o biografado), como condição para a publicação de Biografias.

É apropriado que a lei proteja o direito à privacidade. Mas este direito deve ser complementado pela proteção do acesso às informações de relevância para a coletividade, na forma de tratamento distinto nos casos de figuras de dimensão pública, os chamados protagonistas da História: chefes de Estado e lideranças políticas, grandes nomes das artes, da ciência e dos esportes.

O Brasil é a única grande democracia na qual a publicação de Biografias de personalidades públicas depende de prévia autorização do biografado. Um país que só permite a circulação de biografias autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos protagonistas da vida política, econômica, social e artística. Uma espécie de monopólio da História, típico de regimes totalitários.

Este erro produz efeito devastador sobre a atividade editorial. A necessidade do consentimento prévio das pessoas retratadas nas obras cria um balcão de negócios de valores vultosos, em que informações sobre a nossa História são vendidas como mercadorias.

Há um efeito ainda mais grave no que tange à construção da memória coletiva do país. O conhecimento da História é um direito da cidadania, independentemente de censura ou licença, do Estado ou dos personagens envolvidos. O ordenamento jurídico deve assegurar pluralidade, cabendo à sociedade e ao cidadão formarem livremente sua convicção.

É pertinente lembrar que a dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito e de uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade.

Hoje, quando a sociedade clama pela ética e pela plena liberdade de expressão, está mais do que na hora de eliminar este entulho autoritário e permitir novamente que os brasileiros possam ter acesso à sua própria História.

Assim, os intelectuais brasileiros apoiam as iniciativas legislativas e judiciais voltadas à correção dessa anomalia do ordenamento jurídico brasileiro, de maneira a permitir a publicação e a veiculação de obras biográficas sobre os protagonistas da nossa História, independentemente da autorização dos personagens nelas retratados.

Assinam:

Afonso Arinos de Mello Franco

Alberto Costa e Silva

Alberto Venâncio Filho

Alexei Bueno

Ana Maria Machado

André Amado

Antônio Carlos Secchin

Antonio Torres

Arnaldo Niskier

Boris Fausto

Candido Mendes de Almeida

Carlos Heitor Cony

Carlos Nejar

Celso Lafer

Cícero Sandroni

Cleonice Berardinelli

Cristovão Tezza

Domício Proença Filho

Eduardo Portella

Evanildo Bechara

Fernando Morais

Ferreira Gullar

Geraldo Holanda Cavalcanti

Ivan Junqueira

João Máximo

João Ubaldo Ribeiro

Jorge Caldeira

José Murilo de Carvalho

Lira Neto

Luis Fernando Veríssimo

Manolo Florentino

Marco Lucchesi

Marcos Vilaça

Mário Magalhães

Mary del Priore

Merval Pereira

Milton Hatoum

Murilo Melo Filho

Nélida Piñon

Nelson Pereira dos Santos

Roberto da Matta

Roberto Pompeu Toledo

Rosiska Darcy de Oliveira

Ruy Castro

Sergio Rouanet

Silviano Santiago

Ziraldo

Zuenir Ventura

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